A visão da ideia
Vista de dentro, a morte é uma hecatombe; vista de fora, uma banalidade.
Mas há mesmo uma vista apenas de dentro, do interior da subjetividade? Há, ao revés, uma vista apenas de fora, há alguma visão “de lugar nenhum"¹?
Para a subjetividade, encerrada nela mesma, a visão da própria morte é uma impossibilidade. O que seria algo como "eu mesmo morto", visto de dentro? Só o "olhar de fora" dá à subjetividade o acesso à própria finitude.
Para o olhar meramente externo, por outro lado, para a visão "de fora" nada desaparece, porque nada de fato profundo jamais existiu, apenas superfícies e sua modificação. As coisas apenas mudam as suas formas. O verdadeiro materialista, ou o que chamaríamos hoje de fisicalista, observa este aglomerado de fatos estendendo-se no espaço-tempo, o universo ou natureza, e não vê sujeito algum, que dirá a sua morte.
Só porque pode situar-se, pela mediação do olhar do outro, dentro e fora de si, o sujeito emerge como sujeito. Só nesta dialética de transcendência e imanência a existência, no sentido dos existencialistas, é possível.
Kierkegaard não é Kierkegaard preso em seus pensamentos, nem afundado na natureza. Kierkegaard só é realmente Kierkegaard transcendendo-se ao mergulhar em si, e interiorizando-se ao abarcar tudo.
A visão da ideia não é a visão de todas as coisas, a visão da ideia é a visão do todo, e o todo está em todas as coisas.
¹ (Nagel, 2004).